quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

O Trabalho dos Pais


 Deu uma súbita vontade de escrever sobre as lembranças que tenho daquilo que vivi e nem percebi que percebi, porque são memórias bobas e, exatamente por isso, as melhores.

 Que vontade de falar sobre o quanto tenho lembranças boas sobre coisas tão simples e sem aparente significado, mas que são como palavras-chave pra minhas boas memórias de criança.

 Vontade de dizer o quão bom e nostálgico é, quando ouço Dire Straits. Do quanto me lembra meu pai consertando os freezers da sua antiga sorveteria, enquanto rolavam essas músicas num Radinho com CD Player prata que ficava ali no chão, revesando entre o CD com outros clássicos como Guns N' Roses, Alceu Valença, Engenheiros do Hawaii. Todos arranhados, porque meu pai é um excelente apreciador de músicas, tanto quanto é um péssimo conservador de bens materiais. Algo que muito me admira nele.

 Sempre me lembro dessas mesmas cenas quando vejo uma chave de pressão, espuma de vidro ou um micro system. São os meus gatilhos de memória pra esse tempo específico, que me lembra sempre a mesma cena: Meu pai consertando um freezer de sua antiga sorveteria. 

 E por algum motivo, essa memória me é brilhante, linda, gostosa de ser lembrar.

 É a mesma sensação quando lembro da antiga lojinha da minha mãe, onde tinha de tudo um pouco. De brincos a sorvete, de roupas a arranjos-de-flor, de cartões de presente a ursinhos. Que delícia lembrar daquele lugarzinho pequeno, que era passagem obrigatória pra entrar na minha casa e, obviamente, sair dela. Se vou entrar em casa, vejo minha mãe embrulhando presentes. Se vou sair, vejo minha mãe passando troco, abrindo a gavetinha onde tem um cestinho com o dinheiro. Tudo sendo feito com o maior carisma do mundo. Porque não existe ninguém com um carisma maior que o dela.

 É impressionante o quanto me é lindo essas memórias. São como o plano de fundo da minha infância. Meu pai na sorveteria, minha mãe na lojinha e eu em ambos os lugares, vivendo aqueles momentos rapidinhos de passagem, às vezes sentando um pouco por ali pra passar o tempo, às vezes brincando com algo que tava jogado naqueles lugares, às vezes tomando um sorvete, às vezes só ouvindo a música tocando, às vezes observando minha mãe gargalhando (a vida dela é fazer isso) com algum conhecido. 

 Tanta coisa mais impressionante pra se lembrar, e me lembro das mais impressionantemente simples. São impressionantes exatamente por não serem impressionantes.

 Como é bom lembrar. É como se eu pudesse viver de novo a mesma coisa, por alguns segundinhos de nada. E como é bom esses segundinhos dos meus pais em mim. Talvez eles nem liguem pra essas partes que viveram, e, no entanto, são brilhantes para mim. Porque vivi de um jeito meio expectador, meio figurante, mas pude aproveitar a parte que ninguém percebia, que era o quanto aquilo era simplesmente gostoso de viver.

 Quão aconchegantes eram aqueles ambientes deles. Pra eles, trabalho. Pra mim, casa. Era tudo a minha casa. Uma extensão da principal. Não me via fora de casa se estivesse em qualquer dos dois lugares.

 Já cheguei até a pensar em montar uma sorveteria no futuro, uma lojinha de tudo um pouco, só pra ver se vivo algo daquilo de novo. Mas a ideia cai por terra. Impossível reviver algo. No máximo a gente lembra, passa por alguma situação semelhantes, mas jamais revive. Não ousaria tentar fazer igual. Meus pais é que sabiam fazer aquilo exatamente o que era. Meu pai com as gambiarras dele nos freezers, minha mãe com os produtos manufaturados dela, meu pai recebendo os clientes com carinho, minha mãe recebendo os clientes com risadas. Impossível chegar perto de construir um império de felicidade desses.

 Construíram dois impérios na minha memória e nem sabiam.

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